Wednesday, March 17, 2021

MÃE...







(...)
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo
saber viajar.
(…)
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo verdade!


In Rosa do Mundo, Almada Negreiros





Sunday, March 11, 2018



O GATO
(Baudelaire)

Vem, belo gato, aqui ao meu regaço,

Recolhe as tuas garras devagar,

E nos teus belos olhos verde e aço,
Deixa-me aos poucos mergulhar.
.
Quando meus dedos cobrem de carícias
Tua cabeça e o teu dócil torso,
E a minha mão se embriaga nas delícias
De afagar o teu sedoso dorso,
.
Vejo-a em sonhos e o seu olhar profundo,
Tal como o teu, amável felino,
Qual dardo dilacera e fere fundo.
.
E desde os pés à cabeça,
Um perfume fatal, um ar sereno,
Enroscam-se à volta daquele corpo moreno.
.
.
.
LE CHAT
(Baudelaire)
.
Viens, mon beau chat, sur mon coeur amoureux;
Retiens les griffes de ta patte,
Et laisse-moi plonger dans tes beaux yeux,
Mêlés de métal et d'agate.
.
Lorsque mes doigts caressent à loisir
Ta tête et ton dos élastique,
Et que ma main s'enivre du plaisir
De palper ton corps électrique,
.
Je vois ma femme en esprit. Son regard,
Comme le tien, aimable bête,
Profond et froid, coupe et fend comme un dard,
.
Et des pieds jusques à la tête,
Un air subtil, un dangereux parfum,
Nagent autour de ton corps brun.

Thursday, April 20, 2017


Lamento amoroso

Não quero mulher que tenha
muito delgadas as pernas,
Como venenosas serpes,
de medo que elas me apertem.

Não quero mulher que tenha
muito comprido o cabelo,
um molho de ervas espesso
onde acaso eu me perca.

Quando sem vida me veres,
sobre o meu corpo não chores:
deixa que a águia ao ver-me
seja a única que me chore.

Quando sem vida me veres,
deita-me à floresta negra:
o tatu há-de vir ver
a cova onde meter-me.

Herberto Helder

Friday, April 07, 2017

E lembre-se...




A Átis

Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

“Mas, ah, que triste a nossa sina!...
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo”. “Seja feliz”, eu disse,

“E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembra-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rossas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros

Da sua pele em minha pele!
[…]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede” […}


Safo
.

Thursday, February 23, 2017

entre a mentira e a verdade



VOLÚPIA


No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!
...
A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!
Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!
E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...


Florbela Espanca

Sunday, February 19, 2017

JOUMANA HADDAD





















PEDI...


Pedí a los magos que cuidaran de mí,
Y entonces me llevaron consigo.
Dulce era mi risa
Azul mi desnudez
Tímido mi pecado....
Volaba sobre la pluma de un ave
Y me hacia almohada a la hora del delirio.
Cubrieron mi cuerpo de amuletos,
Y untaron mi corazón con la miel de la demencia.
Protegieron mis tesoros
Y los ladrones de mis tesoros,
Me obsequiaron historias y silencios,
Desataron mis raíces.
Y desde aquel día me voy
Me hago nube de cada noche
Y viajo.
Soy la única en decirme adiós
La única en acogerme.
El deseo es mi camino y la tormenta mi compás.
En el amor no echo anclas.
Gemela de las mareas,
De la ola y de la arena
Del candor y de los vicios de la luna,
Del amor
Y de la muerte del amor.
Durante el día mi risa es de los otros
Y la cena solo a mí me pertenece. .
Quien sabe mi ritmo me conoce
Me sigue
No me alcanza.

JOUMANA HADDAD (poetisa libanesa, n.1970)
Tradução para castelhano pela autora

A veces quiero preguntarte cosas...




A veces quiero preguntarte cosas,
y me intimidas tú con la mirada,
y retorno al silencio contagiada
del tímido perfume de tus rosas.

A veces quise no soñar contigo,
y cuanto más quería más soñaba,
por tus versos que yo saboreaba,
tú el rico de poemas, yo el mendigo.

Pero yo no adivino lo que invento,
y nunca inventaré lo que adivino
del nombre esclavo de mi pensamiento.

Adivino que no soy tu contento,
que a veces me recuerdas, imagino,
y al írtelo a decir mi voz no siento.


GLORIA FORTES

Saturday, January 21, 2017

Que voltes...



Que voltes antes de anoitecer...
Antes que as sombras desçam irremediavelmente
sobre o coração.

Que eu ainda te possa ver refletida em meus olhos,...
e ainda reconheças as pegadas de antes
indeléveis, no chão.





J. G. de Araujo Jorge